Dia 10 de fevereiro de 2011, Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, interior de São Paulo, 16h51: começa conferência telefônica via celular envolvendo dois presos e três criminosos nas ruas, que continuaria por mais nove horas e 38 minutos seguidos.
A conversa seria interrompida e retomada depois, chegando a 12 horas e um minuto de discussões pelo grupo.
Os participantes da conferência, ligados à facção criminosa PCC, discutiam negócios: a compra e venda de drogas no Paraguai e na Bolívia, o envio de maconha e cocaína para São Paulo, a distribuição para outros Estados e os investimentos que devem ser feitos com o dinheiro.
A conferência, por telefone celular, é uma das gravadas pela Polícia Federal, com autorização judicial, dentro da Operação Leviatã, desencadeada para combater o tráfico internacional de drogas.
As gravações iniciaram em outubro de 2010 e duraram até maio de 2012, quando foi iniciada a operação da PF, com 25 pessoas denunciadas.
As informações sobre as conferências, que ocorriam toda a semana, estão em processo que tramita na Justiça Federal sob sigilo.
Em média, as conferências reúnem quatro pessoas e podem durar minutos ou horas. Em uma delas, entre a noite de 24 de março e o dia seguinte, chegou a envolver nove pessoas, sendo seis presos.
A Folha obteve cópias dos relatórios que integram o processo. Nas interceptações, não foram flagradas ordens para matar policiais militares, como ocorreu em outras investigações policiais, mas há informações sobre acesso dos presos a internet e TV.
CONIVÊNCIA
As investigações, compartilhadas com a Polícia Civil, mostram que esses diálogos não acontecem diariamente -depende da equipe de agentes de plantão e das rondas nas celas dos presos do PCC.
Dependendo dos agentes, os detentos evitam conversar ao telefone até a mudança da equipe de plantão. A cada dia, os detentos colocam um preso diferente para falar ao celular em nome da facção.
Após as discussões, o preso leva os temas para serem debatidos com à cúpula e retorna com a decisão horas depois ou mesmo no dia seguinte.
Os grampos tiveram como foco Presidente Venceslau porque é ali que a Secretaria da Administração Penitenciá-ria mantém chefes do PCC que não cometeram faltas administrativas -quem comete vai para o presídio de Presidente Bernardes, o único de segurança máxima de SP.
Questionada sobre as conferências, a secretaria, em nota, não respondeu diretamente à questão. Informou que, de janeiro a agosto deste ano, apreendeu 8.335 telefones celulares -desses, 12 foram em Presidente Venceslau, sendo oito com visitantes, antes de eles entrarem no presídio.
APREENSÕES
As conferências vêm sendo usadas pelo PCC principalmente para decidir onde guardar armas e drogas.
Em 2012, a facção teve prejuízos com apreensões feitas pela polícia. No período em que as gravações foram feitas, houve 30 carregamentos de drogas apreendidos, entre eles um de 1,7 tonelada de maconha em Carapicuíba e outro de 19 fuzis em Cajamar.
A partir de então, o grupo investe na compra de casas que servem como esconderijo para as drogas.
OUTRO LADO
A Secretaria da Administração Penitenciária, embora questionada, não respondeu diretamente sobre as conferências entre presos, mas disse que tem atuado para impedir a entrada e o uso de celulares dentro dos presídios.
Em nota, o órgão informou que, de janeiro a agosto deste ano, 8.335 telefones celulares foram apreendidos nas 152 penitenciárias do Estado.
Do total, 4.578 estavam em presídios de regime fechado e 3.757 em unidades de regime semiaberto, nas quais o condenado tem acesso ao ambiente externo durante o dia.
Na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, onde a PF flagrou as conferências, foram retidos 12 telefones, sendo oito com visitantes, antes de eles entrarem na unidade.
A pasta diz que faz testes com bloqueadores de sinal, mas nenhum aparelho testado conseguiu impedir com eficiência o uso de celulares.
A secretaria negou que os presos acessem a internet. Já o acesso a TV é autorizado e está previsto no regimento.
Segundo a pasta, além dos aparelhos de raios X, são feitas revistas periódicas para evitar a entrada de celulares.
Os presos surpreendidos com drogas ou telefones, diz, respondem criminalmente, sofrem sanções disciplinares e perdem benefícios.
A mais grave das punições acontece quando o preso é enviado para a penitenciária de Presidente Bernardes, onde existe o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). Lá, o detento tem direito a duas horas de banho de sol por dia -no restante, fica na cela e não pode receber visitas íntimas.
A secretaria também diz que frequentemente compartilha as informações obtidas dentro dos presídios com as polícias Civil e Federal.
SAIBA MAIS
Fazer uma conferência por meio do celular é fácil e, em geral, não exige nenhum custo além da tarifa cobrada pelas ligações.
Basta um comando que exige uma série simples de cliques no teclado, com a qual é possível deixar uma ligação em espera, fazer outra e, por fim, juntá-las.
Algumas empresas de telefonia permitem que o serviço estabeleça conferências com a participação de mais de três linhas.
Para isso, basta repetir o comando, que, embora varie entre operadoras, raramente usa além das teclas 1, 2, 3 e send (enviar).
Em alguns smartphones, como o iPhone, é ainda mais fácil: há um ícone no teclado que, durante a conversa, oferece a possibilidade de discar para outros telefones e incluí-los.
Não há impedimentos quanto ao tipo de telefone -linhas fixas e orelhões podem participar de conferências com celulares.
Durante as reuniões, é possível fazer e atender chamadas simultaneamente, ou mesmo alternar entre elas.
Fonte: Folha
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