Kaluaná, Tsikão, Janawá e Pira Taporé estudam em escola urbana do Distrito Federal.
No Distrito Federal, escolas urbanas aprendem a conviver com demandas dessa população. Língua é uma das maiores barreiras entre alunos indígenas e redes de ensino convencionais
Na Escola Classe do Varjão, localizada na periferia de área nobre da capital federal, quatro novatos são a sensação entre os colegas. Pira Taporé, 13 anos, Kautsará Kaluaná, 12 anos, Tsikão Aumari, 9 anos, e Janawá Taujá, 6 anos, os irmãos Kamaiurás, são disputados por crianças curiosas em descobrir mais sobre os meninos indígenas que pouco falam português.
Por um lado, o acolhimento dos alunos acabou com uma das maiores preocupações do pai das crianças, Wary Kamaiurá Sabino, e dos professores: o medo de preconceito. Matriculados desde fevereiro na escola, poucos foram os episódios de “estranheza” envolvendo os indígenas e os colegas. A curiosidade tem sido usada para promover a diversidade e o respeito.
Se a chegada dos novos alunos foi um susto, de início, para a escola, depois transformou-se em desafio e, agora, as professoras responsáveis por educá-los enxergam a presença dos indígenas como um estímulo. E um presente. Lucilene de Oliveira Campos e Dulce Ritter Contini brincam com a língua tupi-guarani para integrar os estudantes.
“Ainda sou aquela professorinha que quer buscar conhecimento, aprender. Estou muito feliz. A aula é uma riqueza”, conta Lucilene. É ela quem aprende as palavras e as histórias do povo Kamaiurá com o irmão mais velho, Pira Taporé, e repassa as informações a Dulce. Nas aulas, as duas apresentam palavras indígenas aos outros e preparam um dicionário português-tupi.
A boa vontade das professoras e o apoio do pai das crianças, que é professor, leva a experiência na escola de Brasília ao caminho certo. Mas revela que educar indígenas ainda levanta dúvidas entre os educadores, especialmente nos que estão distantes das aldeias. Um dos maiores entraves, como no caso das crianças Kamaiurás, é a língua.
Pira Taporé já superou parte da timidez, fala e entende bem o português. Os outros, mais tímidos, estão aprendendo as primeiras palavras. As professoras sabem que as formas de pensar e aprender dessas crianças são diferentes e lamentam a falta de preparo para atendê-los de forma mais adequada.
“Não estou me sentindo aflita, porque criança aprende rápido. Mas me causa estranheza não termos gente do Ministério da Educação preocupada em saber quem está cuidando dessas crianças”, comenta Dulce, que tem experiência longa em alfabetização e é poliglota.
A coordenadora de Educação em Diversidade da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Ana Marques, admite que as políticas ideais de atendimento a essas crianças ainda serão traçadas. “Essa é uma demanda nova e fluida, porque os indígenas não estão efetivamente fixados aqui, eles vêm e vão. Mas eles precisam de um tratamento específico”, diz.
Orientações próprias
Um dos pontos fundamentais para garantir uma educação de qualidade a essas crianças, de acordo com Ana, é garantir o respeito à cultura dessas populações. A coordenadora acredita que a formação inicial dos professores ainda falha nesse sentido, mas reconhece que as redes de ensino precisam dar conta dessas demandas independentemente das universidades.
No ano passado, orientações específicas para a educação indígena foram aprovadas. A resolução nº 5 de junho de 2012 determina que sejam desenvolvidos projetos que afirmem as identidades étnicas, valorizem as línguas indígenas e os conceitos próprios desses povos. Isso significa que os modelos pedagógicos não precisam seguir os moldes “urbanos”.
A resolução também normatiza o estabelecimento de “territórios etnoeducacionais”, que seriam os ambientes de aprendizado dos indígenas e contariam com a colaboração de Estados, municípios, da própria União, de comunidades indígenas e instituições de ensino superior para que as ações escolares contemplassem as necessidades desses povos.
Segundo o MEC, em 2012, a maior parte dos 234 mil alunos indígenas estava matriculada em colégios nas aldeias. Ao todo, 2.954 escolas atendem esses alunos no País, sendo que apenas 28.972 estão em escolas urbanas. Nas aldeias, quem dá aulas são professores indígenas (95%). De acordo com o ministério, de 2005 a 2011, 2,8 mil professores indígenas se formaram.
O pai das crianças matriculadas na escola do Varjão é um deles. Wary foi alfabetizado aos 16 anos e, depois de cursar o magistério, decidiu se graduar em Letras, fez especialização em educação escolar indígena, mestrado em Linguística (passou em primeiro lugar na seleção) e, agora, cursa o doutorado em língua indígena da Universidade de Brasília (UnB).
“O nosso povo entendeu que a escola não ia acabar com a nossa cultura. Aos poucos, a tribo se acostumou com a ideia, mas na minha aldeia não permitiram a entrada de professores brancos, que ensinassem o português. Meu sonho era conseguir esse nível de conhecimento para contribuir com o meu povo”, conta. Eles deixaram o Xingu para que ele estudasse.
O professor indígena acredita que as cobranças das redes de ensino ainda são baseadas nos modelos escolares dos “brancos” e não funcionam para os índios. “Se tem uma festa na aldeia, o cacique pede pra gente liberar as crianças da aula e ela continua depois. Os costumes são considerados parte do aprendizado. Para os brancos, não pode”, explica o futuro doutor.
Fonte: Ultimo Segundo
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