Como o São Paulo prepara o corpo, a cabeça e a imagem de Ganso para devolvê-lo inteiro ao futebol – e quem sabe, à seleção
Paulo Henrique Ganso despontou como um remanescente de uma espécie em extinção no futebol brasileiro. O camisa 10 clássico, de postura elegante. Discutia-se quem era o melhor, ele ou Neymar. E o comparavam a craques como Sócrates, Pita e Giovanni.
Mas, a partir de junho de 2010, seguidas lesões e conflitos com o Santos minaram corpo, cabeça e a imagem da revelação santista. De preferência popular preterida por Dunga em 2010 e nome certo para a Copa de 2014, virou reserva na Olimpíada e acabou esquecido nas listas de Mano Menezes. Deixou a Vila Belmiro sob uma chuva de moedas.
Em entrevista exclusiva à PLACAR, ele revelou ter defendido o ex-time na Libertadores sob efeito de infiltração, a fim de anestesiar fortes dores no joelho direito. Diz não ter chegado 100% a Londres por causa da volta meteórica a campo após artroscopia, embora assuma a responsabilidade. O meia, no entanto, afirma não ter deixado o Santos por dinheiro, mas sim pelo tratamento recebido. “Poderia ter acabado de outra forma. Mas é passado.”
O meia agora mira outro horizonte. Foi apresentado ao São Paulo como um novo messias, o homem que vai salvar o futebol do time. Antes de estrear, no entanto, passa por um processo de reconstrução no tricolor paulista — é preciso cuidar do corpo, mas também da cabeça e da imagem, chamuscada por uma cansativa e interminável negociação. Praticamente em regime de internação no centro fisioterápico, clube e jogador trabalham para recuperá-lo. E, quem sabe, colocar novamente em discussão quem é o melhor do Brasil.
O CORPO
Nos últimos 27 meses, Ganso ficou mais de um ano parado. Fixar data para o retorno aos gramados é assunto proibido no Morumbi (a volta do meia está progaramada para este domingo)
Desde que passou por sua primeira cirurgia como jogador profissional, em 17 de junho de 2010, Paulo Henrique Chagas de Lima, o Ganso, não jogou futebol por mais de seis meses seguidos. Nos últimos 27 meses de Santos, três operações e três lesões musculares graves deixaram o craque mais de um ano parado.
Sua presença no departamento médico começou a virar rotina na passagem de 45 dias por causa de uma artroscopia no joelho direito, pouco antes da Copa da África do Sul. Já na segunda estada foram sete meses. Tempo exigido pela reconstrução do ligamento cruzado anterior e reparação do menisco lateral do joelho esquerdo. A lesão, causada por entorse e jogo contra o Grêmio pelo Brasileiro, embora grave, é uma das mais frequentes no futebol. Incomum era se tratar da terceira cirurgia de joelho, a segunda ligamentar, em um profissional de 20 anos. Em 2007, na base, aos 17 anos, o meia sofrera contusão parecida, no outro joelho.
“Esse tipo de lesão ligamentar está cada vez mais precoce. Tratei paciente de 12 anos”, diz o médico do Santos, Rodrigo Zogaib. Uma hipótese para explicar a incidência em Ganso, segundo ele, é o biótipo do jogador. Altos (ele mede 1,84 metro) e magros tendem a ter menos musculatura em torno dos joelhos e, consequentemente, déficit de equilíbrio. “Nada que, tratado, atrapalhe.” Para Marco Aurélio Cunha, médico ortopedista e pré-candidato à presidência do São Paulo, e José Ricardo Pécora, responsável por três das quatro cirurgias em Ganso, não há regra capaz de determinar tal propensão. “Se fizer uma ressonância [magnética] em qualquer atleta de alto nível, algum desgaste aparecerá. O Ganso está clinicamente recuperado”, diz Pécora.
A polêmica acerca da saúde do atleta ganhou repercussão após reportagem publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo em 25 de setembro em que o presidente do Santos, Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro, teria dito que o atleta tem uma “doença incurável’’. À PLACAR, o dirigente negou. “Não teria me empenhado tanto em segurá-lo se acreditasse nisso.”
Outra questão médica delicada envolvendo o astro foi o período de recuperação de sua segunda artroscopia, realizada no último dia 25 de maio, no joelho direito. Ganso voltou a jogar em 18 dias. Superou a previsão otimista do próprio estafe médico santista, de voltar em 20 de junho. “Nessa última artroscopia fizemos apenas uma limpeza de resíduos da cirurgia anterior”, disse José Pécora. “O procedimento não levou 10 minutos. No outro dia, ele estava andando. Não teria sido liberado sem estar totalmente recuperado”, afirma.
O São Paulo evita correr riscos. Em meio às negociações com o Santos, Ganso sofreu uma lesão na coxa direita, no músculo do “arranque’’. Antes de chegar ao Morumbi, passou pelo consultório do chefe do Instituto do Joelho do Hcor, Rene Abdalla. O clube não pediu ao Santos os exames referentes às cirurgias anteriores. “Interessa como o atleta está agora”, diz o médico do Tricolor, José Sanchez. “Solicitamos só um resultado cardiológico, pois estava impossibilitado de fazer o teste na esteira.”
Ganso vive desde o fim de setembro em regime de internação no Núcleo de Reabilitação Esportiva Fisioterápica e Fisiológica (Reffis) do São Paulo. Dedica 8 horas diárias à fisioterapia, em dois turnos. Cicatrizada a lesão, iniciou o trabalho de fortalecimento muscular da coxa, em fase de conclusão. A última etapa antes de treinar em campo será um teste isocinético, que mede a força e o equilíbrio muscular. Enquanto isso, é expressamente proibido falar em data de retorno. “Não podemos forçar a volta. Não há pressa”, diz Sanchez.
A CABEÇA
O atleta abatido da seleção sumiu. No lugar dele, um homem que promete voltar melhor que em 2010
Ganso perdeu espaço na seleção brasileira. Oficialmente, ficou fora do amistoso contra a Suécia, em 15 de agosto, por razões técnicas. Segundo integrante da comissão técnica de Mano Menezes, no entanto, sua apatia nos treinos durante a Olimpíada de Londres é que o alijou da lista de convocados. Não teria demonstrado interesse em retomar a posição no meio, ocupada por Oscar. A lesão na coxa esquerda que o tirou da partida contra a Nova Zelândia fora leve.
A causa da apatia, afirmam pessoas próximas, era emocional. Vinha do prolongado litígio com o Santos. Para um de seus assessores, o boato que teria sido lançado por um de seus desafetos na Vila sobre seu corte da seleção devido à lesão na coxa foi a gota d’água. Ao fim da Olimpíada, mais decidido a mudar de ares, entrou no turbilhão das negociações entre Santos, DIS, Grêmio e São Paulo. “As discussões com o Santos foram muito desgastantes. Se foi para mim, imagina para ele”, contou o diretor de futebol do São Paulo, Adalberto Batista.
Sua vontade de deixar o Santos era antiga. Em maio de 2011, em reunião convocada para discutir novo contrato, manifestou pela primeira vez, diante dos pais, do irmão e de dois representantes da DIS, sua intenção de sair. “A mãe foi às lágrimas. Pedi então que ele pensasse um pouco. Veio a final da Libertadores, o Santos ganhou, e resolveu ficar”, diz o presidente do Santos, Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro. Após descrever a cena, o dirigente salientou que o atleta sofria demasiada influência de seus procuradores e, por isso, mudava constantemente de ideia.
Roberto Moreno, advogado da DIS, confirma ter aconselhado o atleta a trocar de casa. “No São Paulo ele é tratado como estrela. Fazia tempo que não o via sorrindo como agora.” Terminada a novela , dirigentes e médicos do São Paulo relatam estar impressionados com a motivação da nova estrela. “Vou voltar melhor que em 2010.” A frase virou mantra nas estafantes sessões de fisioterapia.
BLINDADO PARA JOGAR BEM
Direção e comissão técnica do São Paulo decidiram blindar o jogador para evitar polêmicas durante sua recuperação. Resolveram emitir boletins médicos no site do clube apenas às sextas-feiras, limitar o número de entrevistas e restringir aos profissionais do departamento médico o acesso à sala de fisioterapia.
O craque chegou a cancelar compromissos comerciais. Foi orientado a marcá-los aos domingos. “A melhor estratégia para recuperar sua imagem é fazê-lo voltar a jogar bem. E isso depende de uma recuperação física tranquila”, afirma o vice-presidente de marketing são-paulino, Júlio Casares.
SEJA FEITA A VONTADE
No dia 31 de agosto, dois dias depois de Ganso ter sido alvo de moedas na Vila Belmiro, a diretoria do Santos fez a derradeira tentativa de mantê-lo no time. Ofereceu uma bonificação de 270000 reais por seis meses. Em sua sala na Vila Belmiro, o presidente do clube, Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro, apresentou à reportagem da PLACAR originais de todas as propostas formalizadas ao atleta, desde 2010.
Para o advogado Roberto Moreno, representante da DIS, as propostas não interessavam, pois “abocanhavam” larga fatia da maior fonte de renda do atleta. Em uma das contrapropostas, a DIS pede 850000 reais mensais de pagamento por direitos de imagem, elevando o salário do meia para 1 milhão de reais.
Pelo São Paulo, o diretor de futebol Adalberto Batista foi quem participou mais ativamente. Encaminhou quatro propostas. “A cada reunião, mudava tudo e voltávamos à estaca zero.”
O presidente Juvenal Juvêncio só participou da negociação quando o Grêmio entrou na disputa. Ligou para Ganso e pediu para que conversasse com Pita, ex-meia de Santos e São Paulo, sobre as vantagens de mudar para o Morumbi. E que, se fosse verdade, que falasse ao presidente do Santos sobre sua vontade de deixar o clube. Foi o que ele fez.
A IMAGEM
Longe das confusões que o cercaram na Vila, Ganso confia que a chance de voltar a lucrar está condicionada a um único fator: jogar bem novamente
Manter 100% dos ganhos com ações de marketing sempre foi o ponto em que Ganso e seu estafe se mantiveram irredutíveis nas negociações com Santos e São Paulo. Fizeram prevalecer
essa condição para fechar com o time do Morumbi, que pode explorá-lo só institucionalmente, como garoto-propaganda do programa sócio-torcedor, por exemplo. De 2010 a 2012, o Santos tentou trocar aumentos salariais por fatias (entre 30% e 50%) desses direitos, sem êxito.
Embora integralmente preservados, o astro não firma novos contratos grandes desde 2010. Da Procter & Gamble (Gillette), Pepsico, (Gatorade), Samsung e Nike, parcerias assinadas
naquele ano, ganha anualmente mais que o dobro em relação aos salários no Santos (130000 reais).
“Ele precisava sair do olho do furacão. As brigas no Santos se tornaram públicas e criaram um estigma negativo que afeta a imagem do atleta. Será mais fácil recuperá-la em outro clube” afirma Ricardo Hinrichsen, diretor da área de consultoria da Golden Goal, agência especializada em marketing esportivo.
O mais recente e definitivo desses atritos ocorreu no dia 29 de agosto, após o Santos perder por 3 x 1 para o Bahia, em plena Vila Belmiro. Ganso saiu de campo sob uma chuva de moedas
e gritos de “mercenário”. No fim da partida, o técnico Muricy Ramalho reuniu o grupo no centro do gramado e orientou que saíssem juntos, prevendo represálias ao meia. Mas o atleta não se esquivou. Parou abaixo da principal torcida organizada e atendeu os repórteres. “Mercenário, eu? Tenho um dos salários mais baixos do time.” Foi sua última partida com a camisa do Santos.
A relação conflituosa começou em agosto de 2010, quando o atleta declarou ter sido “esquecido” após grave lesão no joelho esquerdo. Em dezembro do ano seguinte, 48 horas antes
do embarque para o Mundial de Clubes, afirmou ter vendido 10% de seus direitos econômicos ao grupo DIS. Depois houve rumores de uma transferência para o arquirrival Corinthians. E, durante a negociação com o São Paulo, voltou tudo à tona.
Em 23 de setembro, foi apresentado oficialmente no São Paulo. Desfilou pelo Morumbi antes da partida contra o Cruzeiro, pelo Brasileiro, com a mesma camisa 8 já envergada pelo ídolo Kaká. Dessa vez recebeu chuva de papel picado e fogos de artifício. No placar eletrônico, foi apresentado como “maestro do Tricolor”. E a festa, por enquanto, ficou por aí.
A GRANA DE GANSO
CONTRATOS
Patrocínios firmados em 2010 (anuais e em vigor)
– Procter & Gamble (Gillette)
– Nike
– Pepsico (Gatorade)
– Samsung
Patrocínios pontuais (uma propaganda) firmados em 2010
– Seara
– Telefônica
Valor total por ano com patrocínios
R$ 3,9 milhões (não foram passados valores por marcas)
Patrocínios firmados em 2011 e 2012
Nenhum
SALÁRIOS
No Santos (de 2010 a 2015)
R$ 130000
Maior proposta no Santos
R$ 420000 (durante 6 meses)
No São Paulo (de 2012 a 2017)
R$ 300000
“Não vejo a hora de reger a orquestra”
Em sua primeira entrevista desde que iniciou a recuperação física, Ganso diz que apelou para infiltração na Libertadores, acha que o Santos poderia tê-lo tratado diferente na negociação e não vê a hora de voltar – mas sem pressa
Fonte: Placar
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