No momento em que luta desesperadamente contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro, o Palmeiras completa neste sábado dez anos de sua primeira – e até agora única – queda à Série B do futebol nacional. Em 17 de novembro de 2002, o time perdia para o Vitória por 4 a 3, na Bahia, sofrendo a degola na competição.
De forma inédita em sua história, o Alviverde teve que disputar uma segunda divisão. Consequência de uma péssima campanha com apenas seis vitórias em 25 jogos. No total, foram ainda nove empates e dez derrotas, configurando um aproveitamento de 36% dos pontos disputados.
Há quem aposte que aquela equipe não seria rebaixada se o torneio tivesse um segundo turno, já que a competição foi o último Brasileiro com mata-mata – todos os 26 clubes se enfrentavam em turno único, e os oito primeiros colocados se classificavam para as quartas de final. Os confrontos eliminatórios levavam à decisão, que naquele ano teve o Santos como campeão. Mas todo o ano de 2002 palmeirense foi de frustrações até a tristeza em 17 de novembro.
Vexame desde o primeiro semestre
O rebaixamento ocorrido há dez anos concluiu uma temporada bastante confusa para o Verdão, que teve como única alegria as presenças do goleiro Marcos e do ídolo Luiz Felipe Scolari na conquista da Copa do Mundo. Seleção Brasileira à parte, os tropeços foram se acumulando no Palestra Itália.
Para 2002, o então presidente Mustafá Contursi apostou em Vanderlei Luxemburgo, que no ano anterior tinha sido campeão paulista pelo arquirrival Corinthians. Em sua terceira passagem pelo clube, o técnico foi eliminado pelo São Paulo nas semifinais do Torneio Rio-São Paulo porque o regulamento definia cartões no confronto como critério de desempate. Outro Choque-Rei tirou o time do Supercampeonato Paulista.
Mas, antes da queda no Brasileiro, Luxemburgo e seus comandados tinham protagonizado outro vexame: foram eliminados na primeira fase da Copa do Brasil pelo ainda desconhecido ASA de Arapiraca, com derrota por 1 a 0 em Alagoas e vitória por 2 a 1 no Palestra Itália – o Palmeiras saiu por ter sofrido gol como visitante. Na Copa dos Campeões, a campanha terminou com derrota para o Paysandu, nas semifinais.
Para disputar o Brasileiro, o treinador fez mudanças drásticas no elenco, como o empréstimo do volante Magrão ao São Caetano, que iria até as quartas de final do Nacional, para usar Leonardo Moura na lateral direita e Arce no meio-campo. O time ainda tinha perdido jogadores como Alex, e a opção foi pela chegada de Fabiano Eller, que era meio-campista antes de ser até campeão mundial pelo Internacional como zagueiro.
Luxemburgo e até Murtosa abandonam a equipe
Em 2002, Mustafá Contursi abandonou a politica do “bom e barato” e resolveu abrir os cofres mesmo já sem a parceria com a Parmalat, que rendeu muitos títulos na década de 1990. Já no inicio da temporada, tinha trazido, entre outros nomes, o zagueiro César e, para o Brasileiro, atendendo a pedidos de Luxemburgo, entregou reforços como o meia-atacante Nenê, hoje no PSG, o lateral esquerdo Rubens Cardoso, que tinha acabado de ser vice-campeão da Libertadores pelo São Caetano, e o atacante Dodô, ex-São Paulo, Santos e Seleção Brasileira.
A estreia ocorreu em um Dia dos Pais, no dia 11 de agosto, no empate por 1 a 1 com o Grêmio, que balançou as redes com gol de Anderson Lima, aos 39 do segundo tempo, cinco minutos depois de Nenê ter aberto o placar. Mas a surpresa veio durante a semana, quando Vanderlei Luxemburgo avisou que pagaria a multa prevista no contrato para abandonar o projeto que tinha armado para o Palmeiras e iniciar no Cruzeiro um trabalho que culminou com três títulos no ano seguinte.
A partir daí, o Verdão tinha mais 24 rodadas na primeira fase, mas não se encontrou. A confusão veio logo no jogo seguinte à saída de Luxemburgo, que deixou para o seu auxiliar, Paulo César Gusmão, a missão de comandar o time diante exatamente do Cruzeiro, que teve Ney Franco como interino no banco. A partida, disputada no Mineirão, acabou com o resultado de 1 a 1.
E a confusão continuou no Verdão. Mustafá Contursi planejava ter Luiz Felipe Scolari em 2003 e o pentacampeão mundial resolveu mandar seu auxiliar, Flávio Murtosa, para comandar o time por seis meses. Murtosa ficou no cargo por quatro jogos, estreando com vitória sobre o São Caetano, mas perdendo as outras três – a derrota mais marcante foi por 4 a 0 para o Atlético-MG, encerrando um tabu de 64 anos do Palmeiras sem perder do Galo no Palestra Itália. Ao levar 5 a 1 do Paraná, em casa, o auxiliar deixou o clube e recomendou a Felipão que aceitasse o convite da seleção portuguesa.
Diretoria traz Levir Culpi, mas não as vitórias
Sem Murtosa, coube a Karmino Colombini, outro interino, estar à frente do time em empate por 2 a 2 com o Coritiba, no Palestra Itália. Na rodada seguinte, já começava no clube a passagem de Levir Culpi, técnico vitorioso em Minas Gerais, campeão paulista pelo São Paulo dois anos antes e cotado para a Seleção Brasileira na época.
Levir assumiu uma equipe que, em oito rodadas, tinha somado só sete pontos. O treinador contava com 18 jogos para evitar o rebaixamento, mas acabou fazendo parte de um grupo que chamava a atenção por sofrer gols nos últimos minutos das partidas. O lado positivo de sua trajetória foi a invencibilidade nos clássicos, empatando por 2 a 2 com o Corinthians, no Morumbi, e por 1 a 1 com o São Paulo, no Pacaembu, e com o Santos, na Vila Belmiro.
A partida na Baixada teve uma imagem ainda guardada com lamentação na memória dos palmeirenses. O ex-meia Zinho, hoje dirigente no Flamengo, cobrou uma falta que bateu no travessão e ultrapassou a linha do gol, mas o árbitro Anselmo da Costa, de São Paulo, não viu. Com aqueles dois pontos, o Verdão evitaria o rebaixamento. Sem o ponto que somou, o Santos, que acabou campeão, não se classificaria para as quartas de final.
Esperança, frustração e angústia na reta decisiva
Logo após um decepcionante empate com o Juventude no Palestra Itália, restavam ao Palmeiras sete rodadas para se salvar. E a equipe pareceu embalar. Nas três partidas seguintes, venceu no Palestra Itália o Guarani e o Botafogo, concorrente direto contra o rebaixamento, e ainda empatou com o Corinthians, campeão do Rio-São Paulo e da Copa do Brasil no primeiro semestre –seria depois finalista no Brasileiro.
Já sem Marcos, machucado, o time perdeu para o Vasco, em São Januário, mas, na antepenúltima rodada, renovou todas as esperanças ao surpreender o Fluminense no Maracanã. O Tricolor, com Romário no ataque e qualidade que o levaria até as semifinais do Nacional daquele ano, perdeu por 3 a 0.
A permanência na primeira divisão dependia apenas do Palmeiras. E isso pareceu um problema. Logo no jogo seguinte à vitória sobre o Fluminense, mais de 25 mil palmeirenses foram ao Palestra Itália com a expectativa de ver o time vencer o Flamengo e pôr fim ao pesadelo. Mas o que assistiram foi a uma tentativa de recuo de cabeça do zagueiro Alexandre que acabou virando assistência para Liedson abrir o placar para os cariocas. O gol de empate de Nenê, aos 16 minutos do segundo tempo, definiu o resultado de 1 a 1, que só se transformou em agonia.
O jogo do rebaixamento
Apesar da péssima campanha que o deixava há 19 rodadas na zona de rebaixamento, o Palmeiras, graças a um confronto direto entre Portuguesa e Bahia em Mogi Mirim, só dependia de si em sua última partida para não precisar disputar a segunda divisão nacional em 2003. Embora na Bahia, o adversário era um Vitória com remotíssimas chances de ir às quartas de final.
Em alguns momentos daquele jogo, até um empate servia ao Verdão. Mas a incompetência ficou clara desde os primeiros minutos. O time que começou o duelo com Sérgio; Arce, Alexandre, César e Rubens Cardoso; Paulo Assunção, Flávio, Juninho e Zinho; Muñoz e Itamar entrou para a história da pior forma, assim como Leonardo Moura, Nenê e Lopes, que entraram durante o jogo, o técnico Levir Culpi e até Dodô, responsável por despertar ira ainda maior nos palmeirenses ao ser flagrado sorrindo no banco de reservas.
Logo aos três minutos da partida, Allan Dellon subiu entre os zagueiros para cabecear nas redes de Sérgio. O volante Flávio ainda empatou dois minutos depois, aproveitando bate-rebate na área do Vitória. Porém, antes do intervalo, os anfitriões mostravam superioridade. Zé Roberto, atualmente no Bahia, passou por três jogadores que vestiam verde até ser empurrado na área por Paulo Assunção, hoje no São Paulo. Pênalti que o colombiano Aristizábal converteu, aos 27 minutos.
No segundo tempo, Nenê entrou e aproveitou cobrança de falta ensaiada para acertar o ângulo do goleiro Alcides. O empate dava esperança, só era necessário balançar as redes adversárias mais uma vez para o pesadelo acabar. Mas o sonho palmeirense era impossível com seu sistema defensivo.
E o vilão, mais uma vez, foi Alexandre. Aos 31 minutos, o Vitória cobrou falta da lateral direita. Sozinho à frente da pequena área, o zagueiro se abaixou e acabou cabeceando em cima de Zé Roberto. A bola ainda bateu na coxa e na canela de Alexandre antes de sobrar limpa para o meia fazer 3 a 2.
Aos 40 minutos, Zé Roberto passou como quis por Paulo Assunção e César para entrar na pequena área e só não fez um golaço porque Sérgio executou uma grande defesa. Mas, sem nenhuma marcação, André pegou o rebote para balançar as redes. O pênalti convertido por Arce, aos 43, serviu apenas para se transformar no último ato de um vexame.
Após a derrota por 4 a 3, César deixou o campo chorando, Zinho, campeão de quase tudo o que disputou pelo clube nos anos 1990, não quis dar entrevistas e, quem optou por falar, apelou a chavões. “O mundo acabou”, disse Rubens Cardoso. “Foi incompetência”, definiu Levir Culpi. “Não tenho o que falar”, afirmou Alexandre, com razão. As lágrimas dos palmeirenses nas arquibancadas definiam mais do que qualquer palavra o que representou 17 de novembro de 2002.
Fonte: Gazeta Esportiva
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