Uma jornalista radicada nos Estados Unidos se dedica, há mais de uma década, à missão de registrar e divulgar a história de vítimas da escravidão e o destino de seus descentes.
O objetivo de Ana Alakija, que é descendente de um clã de um antigo reino iorubá, o segundo maior grupo étnico nigeriano, é destacar aspectos pouco explorados pela ensino oficial de história.
“Peço licença aos meus antepassados africanos para quebrar a tradição de passar nossa história oralmente e apresentar suas memórias de forma mais concreta”, disse à BBC Brasil.
Desde 1997, a jornalista vem reunindo informações e documentos coletados no Brasil e também na África – especificamente em Lagos, na Nigéria – para onde um grupo de africanos e descendentes voltou após a abolição da escravatura.
O esforço resultou na produção de um documentário, um livro e uma série de exposições com fotos, documentos e artesanatos que ilustram a trajetória do grupo interconectado pelo Atlântico.
Escravidão no Brasil
Estima-se que metade dos cerca de 13 milhões de africanos capturados para servirem de escravos nas Américas tenham sido enviados para o Brasil.
Ana se concentra na história que não é ensinada nas escolas, mostrando as conquistas e as contribuições intelectuais, comerciais e políticas dos africanos à sociedade, antes e depois da escravatura.
Um número expressivo de vítimas, por exemplo, fazia parte da elite política e religiosa iorubá, e esses indivíduos foram vendidos como escravos porque eram prisioneiros de guerra. Isso representa uma perspectiva histórica diferente da ideia de servidão passiva dos escravos que é geralmente contada nas salas de aula, segundo a pesquisadora.
Muitos dos escravos brasileiros alforriados reconquistaram o status social de seus antepassados, tornando-se médicos, advogados, comerciantes, políticos e donos de propriedades, tanto na África quanto no Brasil.
Estima-se que metade dos 13 milhões de africanos capturados na África vieram ao Brasil.
Um exemplo do fenômeno é o destino da própria família Alakija, que conectou os dois continentes mesmo após a abolição da escravatura, em 1888.
“Meus bisavós eram vizinhos na África, mas só se conheceram no Brasil. Meu bisavô reconquistou seu título de nobreza e dinheiro quando voltou à Nigéria, estabelecendo lá uma plantação de algodão com o que aprendeu no Brasil”, disse Ana.
O avô da jornalista, Maxwell Alakija, visitou o Brasil na infância e se apaixonou pelo país. No início do século 20, o filho do próspero fazendeiro decidiu estudar advocacia em Salvador, que já contava com uma renomada faculdade de direito. Na Bahia, ele fez carreira como advogado e teve três filhos. O pai de Ana e sua irmã se dedicaram à medicina, e o irmão deles optou pela engenharia civil.
O objetivo da historiadora é que a preservação e divulgação do papel dos negros na África e nas Américas contribuam com a continuidade dos vínculos originalmente estabelecidos entre esses continentes. “Esse diálogo pode ajudar a criar um entendimento mútuo para os relacionamentos entre brancos e negros nas sociedades modernas e multiculturais”, disse Ana.
O projeto da jornalista é intitulado Memorial Alakija e já está programado para ser promovido nos próximos meses em eventos no Brasil, Nigéria, Estados Unidos e alguns países europeus. “Quero ter um sentimento de missão cumprida”, afirma Ana.
Fonte: BBC
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