Turbinado pelo dinheiro do Catar, PSG quer mudar de classe e ascender à condição de potência europeia
Entre junho e agosto deste ano, numa fúria gastadora como raramente se viu no futebol, ainda mais em tempos de recessão mundial, os dirigentes do Paris Saint-Germain despejaram 63 milhões de euros para tirar o zagueiro brasileiro Thiago Silva e o atacante sueco Zlatan Ibrahimovic do Milan. Também foram em busca do atacante argentino Ezequiel Lavezzi, ex-Napoli (26 milhões de euros), e do volante italiano Marco Verratti, do Pescara, apelidado de o “novo Pirlo”, ao custo de 11 milhões de euros.
No começo de agosto, o dono dessa dinheirama, o xeque Tamin Al-Thani, ligado à família real do Catar, país no Oriente Médio com 1,7 milhão de habitantes, riquíssimo em petróleo, deu outra demonstração de força: venceu a concorrência do Manchester United e da Inter de Milão e comprou o atacante são-paulino Lucas por 40 milhões de euros. “Acho inacreditável que um clube possa dar uma quantia dessas em troca de um único jogador de 19 anos”, esbravejou Alex Ferguson, treinador do time inglês. “Essa proposta não tem lógica”, disse Massimo Moratti, presidente da Inter.
Não é de hoje que a grana e a audácia de Al-Thani fazem barulho. No ano passado, por influência dele, o Qatar Sport Investiment, ligado a fundos catarianos que usam a renda das exportações de petróleo e gás natural do país, para diversificar os negócios, entrou com tudo no esporte. Hoje, com a riqueza de um país com reservas de petróleo estimadas em 15 bilhões de barris e, por baixo, mais 37 anos de atividade, o governo (leia-se a família do xeque do PSG) tem cerca de 70 bilhões para investir. E os catarianos arranjaram negócios que vão dos esportes (sediarão a Copa do Mundo de 2022) a segmentos como mídia, bancos e lojas de artigos de luxo.
Educado em escolas inglesas, Al- Thani, por sugestão do amigo Nicolas Sarkozy, ex-presidente da França e torcedor do PSG, pegou o equivalente a 70 milhões de euros e arrematou 70% do capital do clube, na ocasião com o fundo de investimento norte-americano Colony Partners (em março deste ano, ele quitou o restante). Àquela altura, o principal time de Paris estava distante dos anos dourados, na década de 90, quando foi arrematado pelo Canal Plus, a maior emissora de TV a cabo da França, e virou grande. Faturou uma Recopa em 1996 (e foi à final de outra, com o Barcelona, no ano seguinte) e era respeitado na Liga dos Campeões. Chegou a ter no elenco craques como os brasileiros Raí, Valdo, Ricardo Gomes e Leonardo, o atacante liberiano George Weah e David Ginola, da seleção francesa.
Só que manter um time desse nível ficou caro e, em 2006, a emissora decidiu passar o PSG adiante. Investidores ligados ao Colony e ao fundo francês Butler arremataram o clube por 41 milhões de euros. Especializados na gestão de empresas em dificuldades financeiras, a ordem foi segurar o dinheiro. As estrelas deram lugar a atletas promissores, como os brasileiros Everton, Souza e Reinaldo e o malinês Sammy Traoré. O time passou a ser figurante no cenário local. No máximo, algum título da Copa da França ou da Copa da Liga Francesa.
O xeque aportou no clube quando o jejum de títulos do Campeonato Francês completou 17 anos (o último foi em 1994, o segundo da história). Pior, havia brigas entre facções da torcida. Em fevereiro de 2010, houve conflitos nas imediações de seu estádio em Paris, antes de um clássico com o Olympique (sem torcedores do rival, exatamente para inibir a violência). Mesmo com um efetivo de 1 500 policiais, um homem morreu.
O primeiro ato do xeque Al-Thani após finalizar a compra do clube, em junho do ano passado, foi colocar no comando um homem de sua confiança: o compatriota Nasser Al-Khelafi, que dirigia a TV Al-Jazeera, de propriedade da família. “O PSG tem história, torcedores e um potencial para crescer na Europa como nenhum outro clube deste continente tem”, disse em sua posse. “Não há no mundo outra cidade como Paris, cuja região metropolitana tem 10 milhões de habitantes, com um clube sem rival nas redondezas.”
Como a experiência esportiva de Al-Khelafi resumia-se ao mundo das quadras de tênis (foi presidente da federação do esporte no Catar), ele procurou alguém para cuidar da gestão esportiva e fazer a ligação entre os árabes e a parte operacional do time. O escolhido foi o brasileiro Leonardo, ex-ídolo do PSG como jogador e com experiência e bons contatos nos dois times de Milão. Com o caixa recheado, Leonardo empreendeu a primeira busca de reforços. Em poucos dias, aportou em Paris o argentino Javier Pastore (ex-Palermo), por 43 milhões de euros. E a torneira continuou aberta (veja o quadro “Três levas de craques”). “Qualquer grande clube pensa em contratar craques. Mas, como todo mundo diz que tem muito dinheiro no PSG, concretizar uma negociação para trazer um deles para cá é muito difícil”, afirmou Leonardo em entrevista ao jornal Le Parisien.
Em dezembro de 2011, Leonardo decidiu dispensar o técnico Anthoine Kambouaré, ex-zagueiro do clube. O time estava na liderança do Francês, mas, mesmo com os galácticos, foi eliminado da Copa da França, da Copa da Liga e da Liga Europa. O substituto foi o italiano Carlo Ancelloti, conhecido de Leo nos tempos do Milan, considerado mais adequado para gerir as estrelas e com um currículo recheado por duas Ligas dos Campeões com o Milan e um Campeonato Inglês com o Chelsea. Topou vir por um salário de 500 000 euros.
Ainda assim, o time perdeu o título francês para o Montpellier — com um elenco bem mais modesto (avaliado na época em 33 milhões de euros — 10 milhões a menos que um único Pastore). “O Montpellier fez uma temporada excepcional. Perdemos alguns pontos que poderíamos ter ganhado e isso definiu o título”, disse Al-Khelafi, dando a entender que, apesar de o time ficar pelo caminho em quatro competições, a temporada não foi totalmente perdida. O vice-campeonato nacional valeu vaga direta para a Liga dos Campeões, bem mais lucrativa que a Liga Europa, na qual o clube marcou presença no ano passado.
Os catarianos partiram para a segunda fase do plano de negócios: lançar um canal de esportes na França. Depois de a Al-Jazeera comprar os direitos de transmitir o Campeonato Francês no exterior, ela decidiu investir pesado para bater o Canal Plus dentro de casa. Rebatizado de BeInSport, o braço francês do grupo fechou contrato para mostrar oito em dez jogos da competição e 133 das 146 partidas da Liga dos Campeões,
na qual estará o PSG.
Em 2011, o time recebeu uma cota de TV estimada em 101 milhões de euros por temporada, bem menor que a dos rivais Olympique (151 milhões) e Lyon (133 milhões), segundo a consultoria Deloitte. No confronto com pesos-pesados europeus, a distância era bem maior: o Real Madrid fatura 470 milhões de euros por ano, seguido pelo Barça (451) e Manchester United (367). Só com o faturamento em dias de jogo (bilheteria, por exemplo), o Real chega a 120 milhões de euros ao ano. Até a temporada passada, o PSG embolsava 18 milhões nesse quesito, o equivalente ao Aston Villa. Para turbinar as receitas, os catarianos tiraram da Juventus o francês Jean-Claude Blanc, considerado um craque em acordos comerciais. Uma área cujo faturamento terá de crescer é a publicidade nas camisas. Hoje os franceses ganham 3,5 milhões de euros anuais da Emirates, cifra quase irrisória comparada aos 30 milhões da Qatar Foundation para estampar o logotipo no uniforme do Barcelona.
Com seu elenco cada vez mais estrelado, a cotação do PSG se valorizou. Segundo a direção do clube, a venda de camisas cresceu 180% na temporada passada. Foi assinado um acordo de 2 milhões de euros anuais com o Qatar National Bank para anunciar no estádio.
O time está atraindo jornalistas por onde passa, a começar pelo Champs des Loges, o reformado centro de treinamentos, hoje um dos mais modernos da Europa. A cada fim de semana, os lugares no estádio Parc des Princes, onde o PSG manda seus jogos, estão mais raros: a média de 29 000 espectadores, antes da chegada dos homens da QSI, pulou para 43 000, mesmo com o aumento de 20% no preço das entradas este ano. A meta de Al-Thani é aumentar a capacidade do estádio para 60 000 pessoas, pouco antes da Euro 2016, na França. Há quem diga que ainda será pouco.
Mas nem tudo é fartura nesse novo mundo da bola. Outro xeque árabe, Mansour bin Al Zayed, decidiu investir no Manchester City. Desde 2008, qualificou o elenco, com craques como Agüero, Tévez e Nasri. O time venceu a Copa da Inglaterra em 2011 e faturou o título inglês na temporada passada. Mas há efeitos colaterais. A folha salarial gira em torno de 170 milhões de euros, a segunda do futebol britânico (a do Chelsea é 10% maior). E o prejuízo na temporada passada é estimado em 230 milhões de euros. No PSG, a perda deve girar em torno de 92 milhões de euros nesta temporada. Isso numa época em que a Uefa sinaliza que vai endurecer o jogo com quem ficar no vermelho. A partir de 2014, a entidade terá poderes para examinar as contas dos clubes em 2011/12 e 2012/13 e punir quem ultrapassar 45 milhões de euros de déficit em cada um dos exercícios contábeis. Quem não conseguir ficar dentro desse limite será suspenso dos campeonatos organizados pela entidade. “A regra é simples: os clubes não poderão gastar mais do que arrecadam”, diz o presidente da Uefa, Michel Platini.
Em campo, o time já pensa como grande. “Somos favoritos e temos um grupo pronto para ser competitivo na Liga dos Campeões e nos três campeonatos que iremos disputar na França”, diz o atacante Jérémy Ménez. “O time está pronto para o que der e vier”, concorda Ancelotti. As próximas apresentações nos gramados europeus confirmarão ou não tal confiança.
Fonte: Placar
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